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Pesquisadores tentam criar robô para ajudar a cuidar de idosos.

Envelhecer com um robô ao lado já não é ficção — é o novo dilema da humanidade.

1. Vida ou ficção? O robô que pode cuidar de você

Imagine chegar à terceira idade e ter ao seu lado não um cuidador humano, mas um assistente mecânico que varre o chão, prepara refeições, monitora seus sinais vitais e ainda faz companhia. Em um laboratório discreto no noroeste de Londres, três mãos robóticas negras, com polegares e quatro dedos articulados quase como os nossos, demonstram isso. “Não estamos criando o ‎Exterminador: queremos construir um assistente humano-amigável”, brinca Rich Walker, diretor da empresa que os desenvolve.

O objetivo? Levar ao cotidiano tecnologias que hoje só vemos em pesquisa e imaginar um futuro onde a velhice acompanha autonomia.

2. Por que agora? O envelhecimento que exige solução

Países como o Reino Unido enfrentam pressões crescentes para cuidar de uma população envelhecida com menos recursos humanos disponíveis. Em 2019, o governo britânico anunciou que os “robôs de cuidado” poderiam revolucionar o sistema, com investimento de 34 milhões de libras.
Empresas de health-tech, como a Cera, relatam que robôs já efetivam cerca de 3.000 visitas semanais a pessoas vulneráveis no Reino Unido: lembram de medicamentos, registram dados de saúde e liberam cuidadores humanos para casos mais complexos. 
O apelo é claro: mais autonomia para idosos, alívio para sistemas de saúde, robôs que tomam conta dos cuidados repetitivos — “menos humano, mas mais humano para quem precisa”, poderia ser o slogan.

3. Os robôs do Japão: um laboratório vivo de convivência

Não é só no Ocidente: no Japão, país de referência em envelhecimento, o governo subsidia robôs em casas de repouso há mais de uma década. Num estudo feito pelo professor James Wright, três robôs foram observados:

  • HUG – tipo “andador inteligente” para ajudar na mobilidade;

  • Paro – robô-foca para pacientes com demência

  • Pepper – robô humanoide que dava aulas de ginástica.

Mas os resultados foram mistos: os cuidadores descobriram que gastavam muito tempo limpando, recarregando e solucionando falhas — mais trabalho do que solução. Wright concluiu que “os robôs deram mais dor de cabeça do que alívio”.
Ou seja: a promessa está viva, mas a prática ainda é turbulenta.

4. Design, autonomia e aceitação: o desafio invisível

Levar robôs do laboratório para o lar envolve mais do que motor, metal e sensores. A professora Praminda Caleb‑Solly, da University of Nottingham, coordena a rede “Emergence”, que conecta fabricantes a idosos e empresas para entender o que realmente querem. Evidências mostram que:

  • muitos desejam interação por voz e aparência não-ameaçadora;

  • outros pedem design “fofo” ou “amizade mecânica”;

  • e, sobretudo, querem que o robô se limpe, se carregue e funcione sozinho. “Não queremos cuidar do robô: queremos que o robô cuide de nós”, disse um entrevistado.
    Além disso, um estudo da University of Oxford revela que homens europeus são mais dispostos que mulheres a aceitarem robô como prestador de assistência na velhice — o que levanta questões sociológicas e culturais.

5. O horizonte da robótica nas mãos humanas (ou quase humana)

No interior do laboratório de Walker, a mão robótica tem 100 sensores, move cada dedo com precisão e é capaz de — acredite — resolver um cubo mágico com apenas uma das mãos. Mesmo assim, tarefas simples para nós — segurar uma tesoura, manipular um objeto frágil — permanecem problemáticas. “Usar tesoura é extraordinário quando se pensa: detecta pressão, ajusta punho, recebe feedback tátil; como ensinar robô a fazer isso?” questiona Walker.

A empresa de Walker, junto com outras 35, participa do programa Robot Dexterity Programme da agência britânica Advanced Research and Invention Agency (ARIA). O objetivo? Criar robôs mais graciosos, eficientes e delicados, inspirados no movimento dos animais — porque, como disse a professora líder do programa, “a graça é realmente uma forma de eficiência”.


Além disso, startups como a dinamarquesa Pliantics desenvolvem “músculos artificiais” para robôs — materiais macios que se contraem com corrente elétrica, para dar ao robô uma pegada mais precisa. O fundador, Guggi Kofod, motiva-se por motivação pessoal: “várias pessoas próximas a mim morreram de demência… se pudermos construir sistemas que permitam viver com dignidade, é incrivelmente motivador”.

6. Limites, medos e ética: quem cuida de quem?

A tecnologia avança, mas a pergunta permanece: quisemos ou conseguimos entregar nossa vulnerabilidade a máquinas? O professor Wright alerta que, se mal utilizada, essa revolução pode empurrar cuidadores humanos para funções de suporte aos robôs — “casas de repouso gigantes, padronizadas, robôs cuidando de pessoas, humanos em salário mínimo de apoio”: o exato oposto da promessa de dar mais tempo de qualidade às pessoas. 
Outros especialistas veem com otimismo: Gopal Ramchurn, da University of Southampton, aponta que “essa vai se tornar uma indústria enorme — a demanda por cuidadores envelhecendo será imensa”. 
Mas ele alerta: “Quando grandes empresas implantarem essas máquinas sem nos perguntar, estaremos em segundo plano. Podemos antecipar esse futuro — ou sermos passivos nele.”

7. Conclusão: o amanhã está conosco — ou com eles?

Robôs que cuidam de idosos não são mais ficção — estão entrando em casas, lares, hospitais-ensaio. Eles prometem autonomia, suporte, monitoramento constante. Mas trazem consigo desafios humanos: confiança, interação, dignidade, impacto social. Se entregarmos nossos pais ou a nós mesmos à supervisão de metal e código, temos que garantir que esse cuidado seja de fato cuidado — e não apenas substituição acessível.

Este é o novo rumo da velhice: mãos robóticas, corações humanos (esperançosamente) e um sistema que precisa equilibrar tecnologia e empatia. Você estaria disposto a deixar que um robô cuidasse de seus pais? A resposta pode determinar como será a idade de amanhã.

Maria Paula Carnelossi

Por: Maria Paula Carnelossi | Folha Regional

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