Família de brasileiro morto na guerra da Ucrânia segue sem acesso à indenização de R$ 1,9 milhão
Filhas pequenas, dor e incerteza
Nove meses após a morte do paranaense Jefferson de Paula da Silva Jacobe, voluntário brasileiro que integrou as fileiras do exército ucraniano, sua família ainda não conseguiu acessar a indenização prevista em contrato. O valor, equivalente a R$ 1,9 milhão, deveria garantir o sustento das filhas do combatente, de 9 e 4 anos, que vivem em Curitiba com a mãe.
“Não é sobre dinheiro. É sobre garantir o futuro das meninas e honrar o que ele deixou. Nenhuma vida tem preço”, desabafa a irmã, Lizlaine Silva.

Morte confirmada, corpo perdido
Jacobe é oficialmente considerado desaparecido desde 31 de dezembro de 2024, quando saiu em missão militar. Dois dias depois, porém, um companheiro de batalhão ligou para a família confirmando que ele havia sido baleado em combate. O corpo nunca foi recuperado, o que impede o governo ucraniano de oficializar a morte no papel.
Enquanto isso, a família fica em um limbo burocrático: recebe informações fragmentadas, mas não tem acesso ao benefício prometido.
Batalha por direitos em meio à guerra
De acordo com a legislação ucraniana, familiares de soldados mortos têm direito a um pagamento de 15 milhões de hryvnias, depositados em parcelas. No caso de combatentes estrangeiros, o processo exige que a família contrate um advogado no país europeu para abrir conta bancária e submeter documentos.
Sem condições financeiras para arcar com esse custo, a família de Jacobe vê a indenização cada vez mais distante.
Itamaraty tem papel limitado
O Ministério das Relações Exteriores afirma que presta assistência consular às famílias, mas não pode atuar como parte em processos administrativos ou judiciais no exterior.
Segundo o advogado internacionalista Victor Del Vecchio, o caso é complexo:
“A relação é privada, firmada entre o soldado e o governo ucraniano. O Brasil não tem ingerência. Cabe à família cobrar diretamente a Ucrânia”, explica.
Promessa que não chega
A ex-voluntária Adriane Marschall Pereira, que atuou no contato com famílias de soldados latino-americanos mortos ou desaparecidos, confirma que nunca viu uma família receber a indenização oficial.
“Quando havia dependentes em situação crítica, eram os próprios soldados que faziam vaquinhas para ajudar. Do governo, nunca vi um pagamento chegar”, relata.
Entre sonhos, decepções e despedida
Antes de partir para a guerra, Jacobe viveu em Portugal e na Alemanha. Foi em território alemão que decidiu seguir para a Ucrânia, em novembro de 2024.
Segundo a irmã, ele enxergava na missão uma forma de dar sentido à vida.
“O que levou ele até lá foram as decepções. Mas ele queria usar sua força para algo que acreditava de verdade”, lembra Lizlaine.
O último contato entre os dois foi em 31 de dezembro de 2024. Ele partia para a missão e respondeu a mensagem de feliz ano novo da irmã com um coração.
Dois dias depois, veio a ligação que mudou para sempre a história da família.
Cenário de guerra e incertezas
A Ucrânia enfrenta um esforço bélico bilionário. Apenas em 2024, o governo gastou US$ 52 bilhões na guerra, valor equivalente a US$ 142 milhões por dia. Para 2025, o orçamento prevê outros US$ 49 bilhões.
Para especialistas, diante desse cenário, o pagamento de indenizações a estrangeiros dificilmente será prioridade.
“A Ucrânia precisa reconstruir cidades, sustentar tropas, manter hospitais. Indenizações de soldados estrangeiros não estão no topo da lista”, avalia Del Vecchio.
Brasileiros na linha de frente
O Itamaraty contabiliza, até o momento, 10 brasileiros mortos e 18 desaparecidos na guerra entre Rússia e Ucrânia. Muitos se alistaram movidos por ideais, outros pela promessa de pagamento em dólar e assistência financeira às famílias.
Enquanto isso, para parentes como Lizlaine, a luta agora não é mais no campo de batalha, mas nos corredores burocráticos que mantêm órfãs duas meninas que perderam o pai.